quinta-feira, 15 de setembro de 2016

Ele despertou de mais um de seus muitos sonhos.

Sua visão rapidamente disparou pela penumbra do quarto, reconhecendo de imediato o ambiente familiar. Quanto tempo faltava para o despertador tocar? Com certeza estaria próximo nesse momento.

Virou-se para o lado esquerdo, observando a silhueta que ali se encontrava, em sono tranquilo. A garota, de olhos fechados, encolhia-se entre as cobertas adormecida com a expressão serena. O rapaz não pode evitar de sentir ternura por aquela figura. Ali, na escuridão, esboçou um sorriso, observando-a imóvel por alguns momentos.

Resolveu então que pra ele não valia mais a pena dormir. Não que não estivesse cansado, pelo contrário, sempre estava com sono e a noite anterior em particular esgotou boa parte da pouca energia que lhe restava. Ainda assim, logo teria que acordar de novo, então não convinha entregar-se ao abraço de sonhos para estes serem imediatamente interrompidos.

Deitou de barriga pra cima, ainda observando sua amada próxima a si. Apesar da tranquilidade do sono, ela também devia estar exausta. O dia anterior havia sido corrido, como ultimamente tornara-se comum ser. Ainda assim, sem pestanejar, a mesma decidiu que queria passar a noite com seu fiel lobo, decisão essa que o encheu de alegria.

Ele estendeu o braço por trás dos ombros da pequena e gentilmente a conduziu para perto. Se ela acordou ou simplesmente deixou-se levar, não tinha como saber. A jovem aninhou-se então no peito de seu namorado, que a envolvera ligeiramente com afeto, quase como uma coruja que zela por seus filhotes.

Na proximidade, o conhecido odor tenuemente adocicado da moça invadiu os sentidos de seu guardião, que fechou os olhos, sorvendo o momento.

Estava feliz, de fato. Ultimamente estava muito mais feliz do que havia estado em anos. Era incrível como a mera presença dela conseguia trazer-lhe contento e paz. Mesmo com todos os seus problemas e perturbações, conseguia ainda encontrar valor na vida, afinal.

A própria moça tinha também sua própria cota de dúvidas, anseios e angústias. Refletindo bem, os dois eram particularmente diferentes em muitas coisas, mas terrivelmente parecidos em outras. Certamente não era fácil para nenhum de ambos. Haviam simplesmente muitas marcas em suas vidas e as preocupações e inseguranças de tentar uma jornada juntos eventualmente bateria na porta.

Ainda assim e ainda assim... Esses poucos momentos que lhes eram reservados - esses momentos apenas deles - faziam tudo valer a pena. Todas as provações, sacrifícios e dedicação, tudo isso valia a pena em curtas ocasiões como essa.

Ele abriu os olhos, discernindo os contornos de sua pequena amada adormecida em seu torso. Sabia que tudo era muito recente ainda e que as coisas mudariam - pois elas sempre mudam. No entanto, tinha plena certeza de que aquele momento estava imortalizado em sua memória como um dos mais felizes da sua vida e que, junto a ela, buscaria outros mais para continuar a preencher o álbum que ele apelidara de "vida".

Seus pensamentos e devaneios foram bruscamente interrompidos pelo familiar toque do celular, alertando-o que a hora de acordar havia chegado. Balbuciando algum resmungo de descontentamento, o homem tateou desajeitadamente a cômoda em busca do aparelho para enfim conseguir desligá-lo. Nesse meio tempo, sua mulher remexeu-se em seu aconchego, aproximando-se mais daquele que a amava. Ele por fim concluiu que ela não havia despertado completamente, e passou a deslizar seus dedos levemente pelos cabelos dela, que cobriam parcialmente seu rosto, de lá descendo pela pele clara e macia de sua face.

Ela não tinha ideia do quanto parecia meiga, frágil e bela enquanto dormia. Nem mesmo de quanta força conseguia trazer para seu leal defensor ao confiar no abrigo de seu corpo, próxima ao coração do mesmo, este, que batia tenuemente, ritmado junto ao dela. Quase como um só. Se ela havia de amá-lo tanto, não tinha como ele ser uma pessoa tão ruim afinal, não é mesmo? Ao menos era o pensamento recorrente que passou pela mente dele.

O tempo corria, ele bem sabia, mas desejava que ele parasse. Mais uma de muitas vezes considerou a hipótese de não ir trabalhar para ficar ali, com a pessoa mais importante para ele. Isso, no entanto, não era uma opção real. Enebriado pelo calor de sua querida jazida, era como se a respiração leve dela fosse a canção mais bela que um homem poderia escutar e certamente tornava o inevitável separar angustiante.

E então, um descompasso. Era hora. Ela sentiu que chegara o momento e aos poucos despertava. Ela lhe daria as forças que precisava para seguir seu rumo naquele dia, o rapaz bem sabia. Beijando sua cabeça, ele lentamente desceu até os lábios da moça e lhe afeiçoou um "bom dia" sem dizer quaisquer palavras. O rosto da moça denotou um sorriso preguiçoso, aquele mesmo que ele tanto adorava. Seus olhos se entreabriam e brilhavam mesmo na parcial escuridão. Sua voz fraca o cumprimentou com um suave "eu te amo", essas palavras que soaram como melodia para seu amante, que não pôde se conter em retribuir o sorriso dela. "Eu te amo", respondeu em seguida. Reciprocidade.

Era hora de levantar, ambos tinham consciência. Iria demorar para se verem novamente e o pensamento era amargo, mas ainda assim, sabiam que tinham um ao outro e que não importava o que acontecesse, aquele fatídico momento de despertar estava eternizado em seus corações.